domingo, 29 de junho de 2014

CANIBALISMO OU INSTINTO PRIMITIVO? O QUE LEVA UMA PESSOA A MORDER A OUTRA

Thamires Andrade
Do UOL, em São Paulo

  • Tony Gentile/Reuters
    Giorgio Chiellini, da Itália, mostra marca de mordida de Luis Suárez, do Uruguai, em partida na Copa do Mundo Giorgio Chiellini, da Itália, mostra marca de mordida de Luis Suárez, do Uruguai, em partida na Copa do Mundo
Jogo de decisão. Uruguai x Itália. Um dos times daria adeus à Copa do Mundo de 2014. Quarenta mil espectadores, 34 minutos do segundo tempo e um placar de 0 x 0. Foi nesse contexto que o jogador uruguaio Luis Suárez deu uma mordida no ombro do zagueiro italiano Giorgio Chiellini durante a partida disputada na Arena das Dunas, em Natal. O estresse e a situação de tensão, comuns em partidas decisivas, teriam feito com que jogador "perdesse" a cabeça e tivesse uma atitude agressiva.
Do ponto de vista psiquiátrico, o jogador não reprimiu o instinto primitivo agressivo, algo que todos nós temos. "Quando você é fechado no trânsito, tem vontade de jogar o carro em cima do outro, mas tem alguns segundos de reflexão que te impedem de fazer isso", explica Liliana Seger, psiquiatra do Ambulatório de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O ato de morder pessoas em si não define nenhum transtorno específico, mas, segundo Kátia Mecler, coordenadora do Departamento de Ética e Psiquiatria Legal da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), pode ser um sintoma de possível transtorno, já que o impulso não foi reprimido.
"Um transtorno é definido com base na frequência que acontece. Se a pessoa tem o costume de morder em várias ocasiões e não apenas em episódios isolados, é preciso investigar se existe alguma patologia", explica Mecler.
Para a profissional da ABP, o ato de morder faz parte das carícias trocadas pelas pessoas durante as relações afetivas e sexuais. "O problema é quando a mordida foge do escopo do afeto para o de agressão", pondera.
Para Seger, pessoas que não costumam lidar bem com situações de estresse, como Suárez, podem receber o diagnóstico de transtorno de impulso. "O paciente tem vontade de fazer algo e não consegue parar e se controlar. Principalmente em momentos de estresse e raiva. Depois ele pode até se arrepende, mas ai já é tarde", afirma a psiquiatra. O jogador uruguaio chorou ao descobrir que foi suspenso da Copa do Mundo pela Fifa.
No entanto, para receber esse diagnóstico não é necessário apenas o ato de morder, mas sim outros atos impulsivos associados. "Por exemplo, jogar objetos para longe, quebrar as coisas, jogar um computador na parede e etc, são outras questões impulsivas que também podem caracterizar esse transtorno", pondera Seger.
O tratamento deste tipo de distúrbio é realizado com psicoterapia cognitivo-comportamental para ajudar a controlar a raiva. "Existem técnicas de relaxamento, concentração e controle de si mesmo que podem contribuir para reduzir a impulsividade e aumentar a tolerância", conta Vladimir Bernik, ex-professor de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas de Santos e psiquiatra da Beneficência Portuguesa.
Medicações estabilizadoras de humor, segundo Mecler, também poderiam ser indicadas em algumas situações específicas.
Canibalismo
As mordidas não podem ser consideradas um ato de canibalismo, pois de acordo com Mecler, ele é caracterizado pelo ato de comer pedaços de carne humana. "Só poderíamos falar de canibalismo se a pessoa morde alguém, arranca um pedaço neste ato, e ingere a carne", declara.
Na internet, várias montagens comparavam Suárez ao personagem Hannibal Lecter, o canibal mais famoso do cinema.
Ainda que o termo canibalismo seja o mais comum, antropofagia é a forma mais apropriada para se referir ao ato de comer carne humana.
Para Mecler, as histórias que rondam os atos de canibalismo se assemelham a filmes de terror. Ela cita o caso de um alemão que anunciou na internet que gostaria de comer carne humana e ainda recebeu respostas de interessados. "Ele congelou a carne da pessoa e comeu por vários dias", afirma.

Na avaliação da psiquiatra do HC, os casos de canibalismo são raros.